sexta-feira, 10 de junho de 2011

Enquanto os sinos dobram, 2011, pp.02

E continua... 2009-11-22 FAVORITISMO ABSOLUTO
Como não ter um favoritismo absoluto?
Cada dia que passa fica mais chato. Cada tarde, cada manhã.
Acordo uma hora antes de levantar e fico olhando o teto. Ele continua lá: quadrado, amarelado, parado.
Sempre o mesmo teto. A observar.
Observo pessoas que mudam pra pior.
Observo as plantas que agora no outono ficam secas. Estou seca como uma folha seca de outono hoje.

Seca pra entender porque os sinos dobram.
Seca pra entender porque caio sempre no mesmo buraco. Tropeço sempre na mesma pedra.
É, enquanto não aprendemos uma lição, passamos de novo, de novo, de novo. Até aprender. E ultrapassar.

Como tô com dificuldade de passar, de ultrapassar, de aprender acho que vou chutar tudo de novo.

Adoro chutar! Me sinto bem. Me sinto eu mesma! Me sinto feliz afastando o mal a qualquer custo. Me sinto. ME sinto. Isso que é legal. Afinal, atitude rock and roll é dar a festa e não ir! ;)

Rock and roll não se aprende galera. Atitude.

Respeitar e ser respeitado. Essa é a ideia de hoje. Ou um bom chute em sua bunda.

O Elefante, por Drummond

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
Carlos Drummond de Andrade
(Em A Rosa do Povo)